Você já parou para pensar no que acontece com os bens de um casal que vivia em união estável quando um deles falece? Muitas pessoas acreditam que, pelo simples fato de viverem juntas há anos, todos os direitos de herança estão garantidos. Porém, a realidade jurídica é um pouco mais complexa. Dependendo do regime de bens, da existência de filhos ou de testamento, o companheiro pode ter direitos diferentes na partilha.
Nesse post:
Neste artigo, vamos explicar de forma clara e acessível como funciona a união estável na herança, quais são os requisitos para reconhecer esse direito e quais documentos comprovam o vínculo. Também veremos como o companheiro concorre com os descendentes, ascendentes e colaterais, além de estratégias para prevenir conflitos e proteger o patrimônio da família.
O que é união estável segundo a lei?
Conceito legal
O artigo 1.723 do Código Civil define a união estável como a convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituir família. Não há prazo mínimo: basta que a vida em comum seja duradoura e reconhecida socialmente.
- Publicidade: vizinhos e família sabem que o casal vive junto.
- Continuidade: não se trata de namoro eventual.
- Objetivo de constituir família: compartilhamento de vida, contas, planos.
Equivalência ao casamento
Desde 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro (RE 878.694). Contudo, detalhes como o regime de bens e a existência de descendentes ainda geram diferenças práticas.
Exemplo real: Maria e João viveram juntos por 12 anos, mas nunca oficializaram casamento nem fizeram contrato de convivência. Quando João faleceu, deixou dois filhos do primeiro relacionamento e um apartamento adquirido durante a união. Maria precisou comprovar a união estável para garantir seu quinhão hereditário.
Documentos que comprovam a união estável
Para que o companheiro seja reconhecido como herdeiro, é fundamental reunir provas contundentes da união:
- Declaração de união estável registrada em cartório (se houver).
- Contas bancárias ou cartões de crédito conjuntos.
- Certidão de nascimento de filhos em comum.
- Apólices de seguro de vida indicando o parceiro como beneficiário.
- Comprovantes de residência no mesmo endereço (contas de luz, água).
- Fotografias, viagens e postagens em redes sociais que demonstrem vida em comum.
- Declaração de Imposto de Renda com o companheiro como dependente.
Dica prática: quanto mais documentos diferentes, maior a chance de reconhecimento sem litígio.
Regime de bens e seus efeitos na herança
Faltou contrato? Aplica‑se a comunhão parcial
Na união estável, a regra padrão é a comunhão parcial de bens (art. 1.725 CC). Isso significa que:
- Bens adquiridos antes da convivência permanecem particulares.
- Bens adquiridos durante a convivência presumem‑se comuns.
Se o casal escolher outro regime (como separação total), deve fazer contrato de convivência e registrá‑lo em cartório.
Impacto na sucessão
Situação | Direito do companheiro | Observações |
---|---|---|
Comunhão parcial, bens comuns | Meação (50%) + herança sobre bens particulares | Concorre com filhos nos bens particulares |
Separação total de bens | Apenas herança, sem meação | Se houver filhos, companheiro concorre com eles |
Comunhão universal | Meação sobre todo o patrimônio + herança sobre a outra metade | Filhos dividem a folha hereditária com o companheiro |
Importante: meação não é herança; trata‑se da metade que já pertence ao companheiro.
Como o companheiro concorre com outros herdeiros
Há filhos (descendentes)?
Se existirem filhos em comum ou exclusivos do falecido, o companheiro concorre em igualdade de condições na metade que cabe à herança.
Exemplo prático: João deixa patrimônio particular de R$ 300.000, além de um apartamento (bem comum) de R$ 400.000.
• Meação de Maria: R$ 200.000 (50% do apartamento).
• Herança: R$ 300.000 + R$ 200.000 (restante do apartamento) = R$ 500.000.
• Partilha: Maria recebe R$ 166.667 e cada filho R$ 166.667.
Há ascendentes, mas não há filhos?
O companheiro divide a herança com pais ou avós, mas tem direito a no mínimo ¼ (art. 1.829 CC após interpretação do STF).
Não há descendentes nem ascendentes
Nesse caso, o companheiro herda tudo.
Procedimentos práticos no inventário
Judicial ou extrajudicial?
- Inventário extrajudicial: possível se todos forem maiores, capazes e estiverem de acordo sobre a partilha.
- Inventário judicial: obrigatório quando há menores ou divergências.
Você pode entender as diferenças em Inventário Judicial ou Extrajudicial: Qual Escolher? (link interno).
Prazo de 60 dias
O artigo 611 do CPC estabelece que o inventário deve ser aberto até 60 dias após o falecimento para evitar multa no ITCMD.
Seguro de vida e previdência
Benefícios de seguradoras e previdência privada não entram na herança e são pagos diretamente ao companheiro se ele for designado beneficiário.
Questões polêmicas e jurisprudência
- União estável e casamento simultâneos – O STJ tem decisões (REsp 1.404.031) reconhecendo a união estável mesmo que uma das partes permaneça casada, desde que haja separação de fato.
- Conflito de provas – Quando a família contesta a união, juízes analisam testemunhas, fotos, mensagens e documentos financeiros.
Leitura extra: Artigo acadêmico sobre sucessão em união estável disponível na Revista Direito Civil Contemporâneo (link externo: https://rbdc.ivides.org/index.php/rbdc/article/view/123)
Perguntas frequentes
É obrigatório registrar a união estável para ter direito à herança?
Não. O registro facilita, mas a lei reconhece a união pela comprovação fática.
Posso fazer testamento para beneficiar mais meu companheiro?
Sim, desde que respeite a legítima (50% do patrimônio). Saiba mais em nosso artigo Quem Pode Ser Excluído da Herança?.
O companheiro paga ITCMD sobre a herança?
Sim, mas alguns estados oferecem isenção parcial sobre a meação.
Como prevenir conflitos futuros
- Contrato de convivência registrando regime de bens.
- Testamento para reforçar a vontade.
- Seguro de vida designando o companheiro como beneficiário.
- Atualização periódica da documentação do imóvel e planos de previdência.
Estratégias bem definidas hoje evitam longas disputas judiciais amanhã.
Checklist – O que fazer ao perder o companheiro
- Reunir certidão de óbito e documentos de identificação.
- Separar provas da união (contas conjuntas, fotos, declaração de IR).
- Verificar testamento ou seguro de vida.
- Definir se o inventário será judicial ou extrajudicial.
- Observar o prazo de 60 dias para abrir o inventário.
- Calcular ITCMD e custos cartoriais.
- Buscar orientação jurídica especializada.
Conclusão
A união estável na herança exige atenção nos detalhes: regime de bens, existência de filhos, provas do convívio e prazos processuais. Embora a lei equipare grande parte dos direitos do companheiro aos do cônjuge, a falta de documentação ou o desconhecimento das regras pode gerar conflitos desnecessários.
Se você vive em união estável, converse com seu parceiro sobre contratos, testamentos e seguros. Essas medidas simples garantem tranquilidade e proteção patrimonial para quem você ama.
Resumo rápido
- Prova da união: documentos diversos e testemunhas.
- Regime padrão: comunhão parcial, salvo contrato distinto.
- Concorrência com herdeiros: divide patrimônio com filhos; herda tudo se não houver descendentes/ascendentes.
- Inventário: obrigatório em até 60 dias; via judicial quando há menores ou litígio.
- Prevenção: contrato de convivência, testamento, seguro de vida.