A guarda compartilhada é, atualmente, o modelo de guarda mais incentivado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque ela estimula a participação ativa de ambos os pais na criação e educação dos filhos, mesmo após a separação do casal.
Porém, uma dúvida importante surge quando há um histórico de violência: é possível manter a guarda compartilhada quando existe medida protetiva? A resposta depende de vários fatores legais e fáticos. Neste artigo, vamos esclarecer essa questão com exemplos práticos e explicações acessíveis para quem nunca teve contato com o tema.
O Que é Guarda Compartilhada?
Entendendo o conceito
A guarda compartilhada, prevista no artigo 1.583 do Código Civil, é o modelo em que ambos os pais participam ativamente das decisões importantes da vida dos filhos, mesmo que não morem juntos. Isso inclui decisões sobre escola, saúde, religião e convivência familiar.
Diferente da guarda unilateral, onde apenas um dos genitores tem o poder de decisão, na guarda compartilhada a responsabilidade é dividida.
Objetivo principal
O objetivo da guarda compartilhada é garantir que o filho continue convivendo de forma equilibrada com ambos os pais, priorizando o desenvolvimento emocional e social da criança ou adolescente.
O Que São Medidas Protetivas?
Origem e finalidade
As medidas protetivas são mecanismos legais previstos na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Elas servem para proteger vítimas de violência doméstica e familiar, geralmente mulheres e seus filhos.
Essas medidas podem incluir:
- Proibição de contato ou aproximação;
- Afastamento do lar;
- Suspensão ou restrição de visitas;
- Proibição de frequentar certos locais.
Elas têm como objetivo preservar a integridade física, psicológica e emocional da vítima.
Guarda Compartilhada com Medida Protetiva é Permitida?
O que a lei diz?
A resposta é: em regra, não.
Em 2023, foi sancionada a Lei nº 14.713/2023, que alterou o Código Civil e a Lei Maria da Penha para proibir expressamente a guarda compartilhada quando há risco de violência doméstica ou familiar.
O novo texto legal determina que, existindo medida protetiva, a guarda compartilhada não deve ser concedida pelo juiz, salvo em situações muito excepcionais, quando for comprovado que não há risco à vítima ou à criança.
Por Que a Lei Mudou?
Essa mudança na legislação se deu após várias decisões judiciais manterem a guarda compartilhada mesmo com medidas protetivas em vigor, o que colocava mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade.
A nova lei visa:
- Preservar a integridade física e emocional da vítima;
- Evitar que a guarda compartilhada seja usada como forma de coerção ou controle pelo agressor;
- Promover o verdadeiro interesse da criança, que é o princípio mais importante em qualquer decisão judicial envolvendo guarda.
Casos em Que a Guarda Compartilhada Não Deve Ser Aplicada
Segundo a Lei nº 14.713/2023, o juiz deve considerar a existência de:
- Violência doméstica comprovada;
- Medidas protetivas de urgência;
- Indícios de risco à integridade da criança ou do genitor vítima.
Quando qualquer um desses fatores estiver presente, a guarda compartilhada deve ser afastada, e o modelo ideal passa a ser a guarda unilateral, atribuída ao genitor que garante segurança e estabilidade para o menor.
Guarda Unilateral em Caso de Medidas Protetivas
Quando há violência e medida protetiva, o juiz pode atribuir a guarda unilateral ao genitor não agressor, com base no artigo 1.583 do Código Civil. A outra parte, em regra, não terá poder de decisão sobre a vida do filho.
Além disso, é comum que o juiz:
- Suspenda ou limite o direito de visitas;
- Determine visitas supervisionadas, se houver possibilidade e interesse da criança;
- Mantenha distância entre o agressor e a criança ou o outro genitor.
Exemplos Reais
Exemplo 1 – Pai com medida protetiva
Joana obteve medida protetiva contra o ex-companheiro após episódios de agressão. Mesmo assim, o pai ingressou com pedido de guarda compartilhada. O juiz indeferiu o pedido, fundamentando-se na existência da medida protetiva e no risco à segurança emocional de Joana e da filha.
Exemplo 2 – Guarda unilateral por risco psicológico
Lucas foi acusado de violência psicológica contra a mãe de seu filho. A Justiça, com base em laudos psicossociais, concedeu guarda unilateral à mãe e restringiu as visitas do pai a encontros supervisionados em local indicado pelo Fórum.
O Que o Juiz Leva em Conta ao Decidir?
O juiz sempre deve considerar o melhor interesse da criança. Esse é o critério mais importante, acima dos desejos ou disputas dos pais.
Fatores analisados:
- Existência de medida protetiva vigente;
- Provas de violência física ou psicológica;
- Relatórios de psicólogos e assistentes sociais;
- Opinião da criança (em certos casos, a partir dos 12 anos);
- Estabilidade do ambiente oferecido por cada genitor.
O Que Fazer se a Outra Parte Pede Guarda Mesmo com Medida Protetiva?
Documente tudo
Mantenha todos os registros da violência, medidas protetivas, boletins de ocorrência, decisões judiciais e atendimentos psicológicos.
Peça apoio jurídico
Procure um advogado especializado em Direito de Família ou vá até a Defensoria Pública da sua cidade.
Priorize a proteção da criança
Se houver qualquer risco à integridade física ou emocional do menor, isso deve ser comunicado ao juiz, com provas.
Guarda Compartilhada Pode Ser Retomada no Futuro?
Sim, mas isso depende de várias condições:
- Revogação da medida protetiva;
- Provas de reabilitação do genitor agressor;
- Avaliação técnica de psicólogos e assistentes sociais;
- Consentimento da criança (em certos casos).
O juiz pode reavaliar a situação e, se entender que a guarda compartilhada não traz riscos, poderá autorizá-la futuramente.
A Importância do Princípio do Melhor Interesse da Criança
Esse princípio, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), norteia todas as decisões judiciais sobre guarda e convivência.
Significa que:
- A decisão judicial deve proteger a criança emocional e fisicamente;
- O direito dos pais vem depois do direito do filho à segurança, afeto e estabilidade;
- A Justiça não deve se pautar por vinganças, disputas ou interesses pessoais dos adultos.
Conclusão
A guarda compartilhada é, sim, uma regra geral no ordenamento jurídico brasileiro, mas não se aplica em contextos de violência doméstica. Quando há medida protetiva, o juiz deve priorizar a integridade da vítima e, principalmente, da criança.
A Lei nº 14.713/2023 deixa claro que, em casos de risco, o modelo ideal de guarda é o unilateral, com eventual restrição de visitas.
Se você vive uma situação de conflito ou violência envolvendo guarda de filhos, busque ajuda jurídica o quanto antes. Proteger a criança é sempre a prioridade.
✅ Checklist Final – Pontos Principais
- A guarda compartilhada é regra geral, mas há exceções.
- A Lei nº 14.713/2023 proíbe guarda compartilhada quando há risco de violência doméstica.
- Medidas protetivas ativas impedem a guarda compartilhada, salvo exceções.
- O juiz avalia provas e relatórios técnicos para decidir.
- Guarda unilateral pode ser aplicada com visitas supervisionadas ou suspensas.
- O melhor interesse da criança é sempre o critério mais importante.
- Decisões judiciais podem ser revistas, caso o contexto mude.