Guarda de Irmãos: A Lei Obriga que os Irmãos Fiquem Juntos Após a Separação?

guarda de irmãos após separação
Irmãos sorrindo e abraçados, representando o vínculo familiar protegido pela lei em casos de separação.

Quando os pais decidem se separar, um dos momentos mais difíceis é definir como ficará a guarda dos filhos. Além da dor emocional envolvida, surgem dúvidas práticas e jurídicas importantes, e uma delas é bastante comum: a lei obriga que os irmãos fiquem juntos após a separação?

A resposta não é simples, porque envolve princípios do melhor interesse da criança, da convivência familiar e das particularidades de cada caso. Embora a regra geral seja manter os irmãos unidos, existem exceções que podem justificar a guarda separada.

Neste artigo, vamos explicar o que a lei e a jurisprudência brasileira dizem sobre a guarda de irmãos, em quais situações o juiz pode decidir pela separação, como isso impacta a vida das crianças e o que fazer se um dos pais tentar afastar um irmão do outro sem justificativa.

O que significa “guarda de irmãos”?

Antes de entender o que a lei determina, é importante compreender o conceito.

A guarda de irmãos é a situação jurídica em que o juiz define onde e com quem os irmãos menores irão residir após a separação dos pais. Ela pode ser compartilhada (quando pai e mãe dividem responsabilidades e decisões) ou unilateral (quando apenas um dos genitores exerce a guarda).

A dúvida surge quando os pais têm mais de um filho e não chegam a um acordo: será possível que cada um fique com um filho diferente? Ou a justiça sempre prioriza que todos permaneçam juntos?

O que diz a lei sobre a guarda de irmãos

A legislação brasileira não traz um artigo específico determinando expressamente que os irmãos devem permanecer juntos. Contudo, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) fornecem as bases para essa interpretação.

Código Civil (artigos 1.583 a 1.584)

Esses dispositivos tratam da guarda dos filhos e estabelecem que o juiz deve sempre decidir com base no melhor interesse da criança e do adolescente, levando em conta fatores como vínculo afetivo, rotina, ambiente e condições de cuidado.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O ECA, em seu artigo 92, inciso X, prevê que a manutenção de grupos de irmãos deve ser priorizada, especialmente em casos de acolhimento institucional ou familiar.

Embora o texto fale sobre situações de acolhimento (como abrigos), o entendimento dos tribunais tem sido de aplicar esse princípio também aos casos de guarda após separação dos pais. Isso porque a convivência entre irmãos é vista como um direito fundamental à convivência familiar e comunitária.

Em outras palavras, a lei protege o vínculo fraternal e entende que a separação de irmãos só deve ocorrer em situações excepcionais.

O princípio do melhor interesse da criança

Todo e qualquer processo que envolva menores deve ser guiado por um princípio essencial: o melhor interesse da criança e do adolescente.

Esse princípio, previsto no artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 4º do ECA, determina que todas as decisões judiciais devem priorizar o bem-estar físico, emocional e psicológico dos filhos.

Por isso, manter os irmãos juntos é, em regra, o que melhor atende ao desenvolvimento saudável da criança, já que os vínculos fraternos ajudam a:

  • fortalecer o senso de pertencimento e segurança;
  • reduzir os impactos emocionais da separação dos pais;
  • proporcionar apoio mútuo em momentos de instabilidade;
  • preservar a identidade familiar e afetiva.

Mas, como em todo princípio jurídico, há exceções, e é nelas que as decisões podem variar.

Quando a separação de irmãos pode ser autorizada pelo juiz

A regra é manter os irmãos juntos, mas o juiz pode decidir de forma diferente se isso for comprovadamente o melhor para eles.

Algumas situações que podem justificar a guarda separada incluem:

  1. Diferença de idade e necessidades específicas
    Quando há uma diferença significativa de idade, por exemplo, um adolescente de 16 anos e um bebê de 1 ano, o juiz pode entender que as rotinas e cuidados são muito distintos e que o interesse de cada um pode ser atendido de forma diferente.
  2. Relações conflituosas entre os irmãos
    Em casos raros, há registros de conflitos graves entre irmãos, especialmente em contextos de violência, traumas ou rivalidades acentuadas. Se houver risco para o bem-estar de um deles, o magistrado pode optar pela separação temporária.
  3. Vínculo afetivo mais forte com um dos pais
    Quando há uma ligação emocional significativamente mais intensa entre um dos filhos e determinado genitor, e isso é comprovado por laudos psicológicos e sociais, pode haver decisão individualizada.
  4. Concordância entre os próprios irmãos (quando adolescentes)
    A partir de certa idade, normalmente acima dos 12 anos, a opinião do adolescente é ouvida e considerada pelo juiz. Se houver vontade expressa e justificada de viver com um dos pais, isso pode influenciar a decisão.
  5. Casos de risco, negligência ou maus-tratos
    Se um dos pais apresenta condutas que coloquem em risco a integridade física ou psicológica de algum dos filhos, o juiz pode determinar que apenas o outro exerça a guarda daquele filho específico.

Em todos os casos, a decisão deve ser fundamentada em provas concretas, como relatórios psicossociais, laudos técnicos, depoimentos e parecer do Ministério Público.

A visão dos tribunais: jurisprudência sobre guarda de irmãos

A jurisprudência brasileira tem consolidado o entendimento de que a separação de irmãos é medida excepcional.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu, em diversas oportunidades, que a convivência fraterna é essencial para o desenvolvimento saudável da criança, e que a guarda separada deve ocorrer apenas quando comprovadamente necessária.

Exemplo:

“A separação de irmãos deve ser evitada, pois a convivência fraterna constitui elemento indispensável à formação emocional e psicológica do menor.” (STJ, REsp 1.288.813/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/03/2012)

Além disso, vários Tribunais de Justiça estaduais reforçam o mesmo entendimento. Em decisões recentes, juízes têm anulado acordos ou sentenças que separavam irmãos sem justificativa suficiente, reafirmando que a união entre irmãos é um direito protegido pela Constituição e pelo ECA.

Guarda compartilhada e o papel dos irmãos

Com a guarda compartilhada, a convivência entre os irmãos tende a ser mais preservada, já que ambos os pais continuam participando ativamente da vida dos filhos, ainda que em lares diferentes.

Na prática, mesmo que os filhos residam em casas distintas por períodos alternados, a lei incentiva que os irmãos mantenham contato frequente, seja presencial ou virtual.

Assim, a guarda compartilhada não significa que os irmãos ficarão separados, mas sim que os pais dividem as responsabilidades, o que facilita acordos que priorizam a convivência entre todos.

Veja também: Guarda Compartilhada: Como Funciona e Quais São os Direitos dos Pais

Quando a guarda de irmãos se torna um problema

Apesar de a lei e os tribunais incentivarem a união entre irmãos, há situações delicadas em que um dos pais tenta manipular a convivência ou utilizar os filhos para atingir o outro genitor.

Isso pode ocorrer de diversas formas:

  • Um dos pais tenta afastar um filho e manter o outro sob sua influência.
  • Cria divergências artificiais entre os irmãos para justificar a separação.
  • Dificulta visitas ou comunicações entre os irmãos que vivem em lares diferentes.

Essas atitudes podem configurar alienação parental, especialmente se houver tentativa de romper o vínculo afetivo entre os irmãos ou com um dos pais.

A Lei nº 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental) prevê medidas severas nesses casos, incluindo advertências, multas, acompanhamento psicológico e até a reversão da guarda.

Sobre o tema, vale conferir: Guarda dos Filhos e Alienação Parental: Quando a Justiça Pode Intervir?

Exemplo prático: quando irmãos foram separados e a decisão foi revertida

Em um caso real julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, dois irmãos foram separados após a separação dos pais, um ficou com o pai e outro com a mãe.

Depois de alguns meses, foi constatado que ambos apresentaram sinais de sofrimento emocional, como queda no rendimento escolar e isolamento social. O laudo psicológico indicou que a ausência do convívio fraterno afetava o equilíbrio emocional das crianças.

Com base nisso, o juiz revogou a decisão anterior e unificou a guarda, entendendo que o melhor interesse das crianças era permanecerem juntas.

Esse caso ilustra bem o que a maioria das decisões judiciais tende a fazer: evitar a ruptura dos laços entre irmãos sempre que possível.

O que fazer se um dos pais tentar separar os irmãos

Se um dos genitores tentar ficar com apenas um dos filhos, sem justificativa legítima, o outro pode acionar judicialmente para garantir a guarda conjunta dos irmãos.

Algumas medidas cabíveis:

  • Ação de guarda ou modificação de guarda, com base no melhor interesse das crianças.
  • Pedido de tutela de urgência, para impedir que a separação aconteça até que o juiz analise o caso.
  • Apresentação de provas (mensagens, relatórios escolares, parecer psicológico) que mostrem a importância da convivência entre os irmãos.

O Ministério Público também pode intervir, pois atua como fiscal dos direitos da criança e do adolescente, garantindo que o processo seja conduzido de forma equilibrada e justa.

A importância da escuta das crianças e adolescentes

Em casos de guarda de irmãos, ouvir os próprios filhos é fundamental. O juiz pode determinar entrevistas com assistentes sociais e psicólogos para entender o que cada criança sente e deseja.

No caso de adolescentes, a manifestação de vontade tem peso significativo. O ECA garante o direito à escuta qualificada, e os magistrados costumam respeitar essa manifestação quando ela é coerente e demonstra maturidade.

Mas é importante ressaltar: a decisão final é sempre do juiz, e ela deve equilibrar o desejo da criança com as condições práticas e emocionais de cada genitor.

Separação temporária não é abandono

Alguns pais temem que, ao concordar temporariamente com a guarda separada, possam ser acusados de abandono. Mas isso não é verdade.

Quando há justificativas plausíveis, por exemplo, distância geográfica, condições de moradia, saúde ou estudo, e o contato entre os irmãos é mantido por meio de visitas, ligações e convivência regular, não há abandono afetivo ou legal.

O que o juiz analisa é se existe cuidado contínuo, amor e acompanhamento ativo, mesmo em lares diferentes.

E quando há irmãos de diferentes casamentos?

Outro cenário comum é quando um dos pais tem filhos de relacionamentos distintos.

Nesses casos, a guarda de irmãos consanguíneos (mesmos pais) recebe maior proteção jurídica, mas isso não exclui o direito à convivência entre meio-irmãos.

A Justiça entende que todos os vínculos familiares devem ser preservados, ainda que as crianças não sejam filhas dos mesmos genitores. Assim, é possível garantir o direito de convivência entre irmãos unilaterais, principalmente quando já existe uma relação afetiva sólida.

A visão psicológica sobre a separação de irmãos

Psicólogos e especialistas em desenvolvimento infantil destacam que a relação entre irmãos é uma das mais duradouras da vida, e separá-los em momentos de vulnerabilidade (como a separação dos pais) pode gerar:

  • insegurança emocional;
  • regressão comportamental;
  • sentimento de perda e abandono;
  • dificuldades de socialização.

Por isso, a recomendação técnica coincide com o entendimento jurídico: manter os irmãos juntos deve ser sempre a primeira opção, a menos que existam riscos concretos para um deles.

A guarda de irmãos é mais do que uma questão jurídica, é uma questão de afetividade, proteção e desenvolvimento emocional.

A lei não impõe uma obrigação absoluta, mas parte da premissa de que os irmãos devem permanecer juntos, salvo se houver motivos sérios que indiquem o contrário.

Perguntas frequentes

A guarda de irmãos é obrigatoriamente compartilhada?

Não. Pode ser compartilhada ou unilateral, mas a prioridade é que os irmãos convivam juntos, independentemente do tipo de guarda.

E se um dos pais quiser ficar com apenas um filho?

O juiz só autorizará se houver motivos graves ou comprovados de que isso é melhor para as crianças.

Posso pedir revisão da guarda se meus filhos foram separados?

Sim. A qualquer momento é possível ingressar com ação de modificação de guarda se houver novas circunstâncias ou prejuízo à convivência fraterna.

Adolescentes podem escolher com quem ficar?

Eles podem expressar sua vontade, e o juiz levará isso em consideração, desde que seja coerente e benéfico.

E se os irmãos já estiverem em cidades diferentes?

Mesmo com distância física, é importante garantir convivência por visitas, férias e meios virtuais. A lei protege esse direito.

Checklist: pontos principais sobre a guarda de irmãos

  • A lei brasileira prioriza a manutenção dos irmãos juntos.
  • A separação só é aceita em casos excepcionais e com justificativa técnica.
  • O melhor interesse da criança é o critério principal.
  • O Ministério Público deve acompanhar o caso.
  • É possível reverter decisões que separem irmãos injustificadamente.
  • A opinião dos filhos pode ser considerada, especialmente na adolescência.

Conclusão: irmãos devem ficar juntos sempre que possível

Em resumo:

  • A regra é manter a união fraterna.
  • A exceção precisa ser fundamentada e justificada.
  • O melhor interesse da criança prevalece sobre o interesse dos pais.

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