Você perdeu alguém querido e surgiram boletos, empréstimos e cobranças de todos os lados. Dívidas do falecido viram um enorme ponto de interrogação. Afinal, quem paga tudo isso? Os herdeiros correm risco de ter o próprio patrimônio penhorado? A resposta curta é: em regra, a herança paga as contas e a responsabilidade dos herdeiros tem limite. A resposta completa está ao longo deste artigo, com exemplos práticos, passo a passo e links para leituras complementares.
Nesse post:
Dívidas do falecido: qual é a regra geral?
A lei brasileira estabelece dois pilares bem claros.
- A herança é que paga as contas do falecido. Antes da partilha, quem responde é o espólio, que é o conjunto de bens e direitos deixados pelo falecido, administrado pelo inventariante. O Código de Processo Civil deixa isso expresso. Depois da partilha, cada herdeiro só pode ser cobrado até o valor que recebeu. TJDFTSuperior Tribunal de Justiça
- Herdeiro não responde além das “forças da herança”. O Código Civil confirma que o herdeiro não pode ser obrigado a pagar com bens próprios aquilo que ultrapassa o que herdou. Planalto
Além disso, o Código Civil diz que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido e, feita a partilha, cada herdeiro responde na proporção do seu quinhão. É a base de todo o tema.
Em resumo: existe proteção. Se a herança vale 300 e as dívidas somam 500, os credores concorrem entre si e os herdeiros não ficam devendo 200 com o próprio bolso.
Como isso funciona na prática antes e depois da partilha
Antes da partilha: foco no espólio
Enquanto o inventário está em andamento, as cobranças devem ser direcionadas ao espólio, representado pelo inventariante. O credor pode se habilitar no inventário ou propor ação em face do espólio. TJDFT
Depois da partilha: responsabilidade limitada do herdeiro
Encerrado o inventário, cada herdeiro responde apenas até o valor do que recebeu, e só na proporção do quinhão. Se herdou 25 por cento de um patrimônio e as dívidas remanescentes forem 100, sua responsabilidade máxima será 25. Planalto
E se a herança for “negativa”?
Quando dívidas do falecido superam os bens, ninguém “herda dívida”. O que ocorre é uma espécie de pagamento proporcional aos credores com o que houver. Se nada sobrar, os herdeiros saem sem bens e sem débitos.
O que entra no “pacote” das dívidas do falecido
Para facilitar, pense nas categorias mais comuns. Em todas, vale a matriz: primeiro espólio, depois herdeiros até o limite do que receberam.
1) Dívidas bancárias e de consumo
Empréstimos pessoais, consignados, cheque especial, cartão de crédito e financiamentos integram o passivo. Se houver seguro prestamista no contrato, pode existir cobertura que quita o saldo em caso de morte. Verifique a apólice.
2) Financiamento de imóvel
Em financiamentos habitacionais do SFH ou programas como Minha Casa Minha Vida, há normalmente o seguro MIP (Morte e Invalidez Permanente). Em caso de óbito, é possível solicitar a quitação total ou parcial do saldo devedor conforme a apólice. Caixa Econômica Federal+2Caixa Econômica Federal+2
Dica rápida: peça ao agente financeiro o “aviso de sinistro” e a lista de documentos. Em paralelo, continue acompanhando o inventário para que o imóvel não vá a leilão por inadimplência.
3) Condomínio e IPTU
- Condomínio: o adquirente do imóvel responde por débitos condominiais do antigo titular, inclusive multas e juros. Em sucessão, isso significa que o imóvel herdado pode carregar débitos do falecido. Planalto
- Tributos: o CTN estabelece que o espólio responde por tributos devidos até a data da abertura da sucessão. Para tributos vinculados ao imóvel, a cobrança acompanha o bem. Planalto
4) Dívidas trabalhistas e cíveis
Passivos oriundos de processos trabalhistas e indenizações entram na conta do espólio e seguem a mesma lógica de responsabilidade limitada após a partilha. Petições Online®
5) Pensão alimentícia
Aqui há um detalhe importante. As parcelas de alimentos vencidas e não pagas até a data do óbito integram as dívidas do falecido. Já a obrigação de pagar alimentos futuros é, em regra, personalíssima e não se transfere ao espólio quando a ação não foi proposta em vida. Superior Tribunal de Justiça+1
6) Seguro de vida e previdência privada
- Seguro de vida: o capital securitário pago ao beneficiário não integra a herança e, em regra, não se sujeita às dívidas do segurado.
- VGBL: o STJ reconheceu que, como regra, não integra a herança nem sofre ITCMD, pois tem natureza de seguro de pessoas, embora existam casos excepcionais discutidos quando o plano se comporta como investimento. Superior Tribunal de JustiçaNotícias STFLegislação em Mercados
Quem pode cobrar e como a cobrança acontece
Habilitação no inventário
O credor pode se habilitar diretamente no inventário para que sua dívida seja reconhecida e paga com recursos do espólio. Isso dá celeridade e evita várias ações paralelas.
Ação contra o espólio
Se preferir, o credor pode ajuizar ação autônoma contra o espólio durante o inventário. O CPC e a jurisprudência do STJ indicam claramente que, antes da partilha, o polo passivo é do espólio. TJDFTSuperior Tribunal de Justiça+1
Ação contra os herdeiros após a partilha
Encerrado o inventário e havendo dívidas remanescentes, a ação pode ser direcionada aos herdeiros, cada qual no limite da herança recebida. É essa a lógica do art. 1.997 do Código Civil. Planalto
Casos especiais que sempre geram dúvidas
Meação do cônjuge ou companheiro sobrevivente
A meação não é herança. É a metade que já pertence ao cônjuge ou companheiro conforme o regime de bens. Dívidas contraídas pelo falecido em benefício da família podem atingir a meação conforme o caso. A análise depende do regime de bens e das provas do destino da dívida.
Fiador e avalista: muda algo com a morte?
Se o falecido era fiador, a lei prevê que a obrigação do fiador passa aos herdeiros, mas somente até a data da morte e dentro das forças da herança. Ou seja, encargos surgidos depois do óbito não recaem sobre os herdeiros. PlanaltoJusBrasil
Empresa individual e sociedade
Se o falecido era empresário individual, as dívidas profissionais se misturam ao patrimônio. Em sociedades, há regras contratuais e legais próprias sobre responsabilidade, sucessão de quotas e continuidade da empresa. Em ambos os cenários, a cobrança seguirá a trilha do espólio e, depois, a limitação do quinhão.
Imóvel com financiamento e seguro MIP
Reforçando: se o contrato tiver MIP, a seguradora pode quitar o saldo, total ou parcialmente, conforme a apólice. Sem seguro, a dívida integra o inventário. Caixa Econômica Federal+1
Previdência e seguro de vida
Benefícios de seguro de vida pagos diretamente ao beneficiário não entram na herança, portanto não entram no rateio com credores. Planos VGBL tendem a seguir a mesma lógica securitária, salvo exceções julgadas caso a caso. Superior Tribunal de JustiçaNotícias STF
Qual é a ordem de pagamento dentro do inventário
Não existe uma “tabela única” válida para todos os casos, mas o inventário costuma seguir esta sequência lógica:
- Levantamento de bens, direitos e dívidas.
- Habilitação dos credores e análise de documentos.
- Reserva de bens para pagamento das dívidas reconhecidas.
- Pagamento na fase própria e só então partilha do eventual saldo entre os herdeiros.
A jurisprudência do STJ constantemente reafirma que o espólio responde pelas dívidas do falecido e que a responsabilização direta dos herdeiros só ocorre após a partilha, sempre dentro do limite do quinhão. Superior Tribunal de Justiça
Pergunta comum: e a Receita Federal, o que exige?
Enquanto o inventário tramita, há obrigações fiscais. A Declaração Final de Espólio deve ser entregue ao término da partilha, e o site da Receita Federal reúne as orientações atualizadas sobre espólio e prazos. Serviços e Informações do Brasil+1
Exemplos práticos e rápidos
Exemplo 1: herança positiva com dívidas
Marcos faleceu deixando um apartamento de 400 e dívidas bancárias de 150. O espólio paga 150 e sobra 250 para partilhar. Se houver 2 herdeiros, cada um recebe 125.
Exemplo 2: herança negativa
Ana faleceu com um carro de 50 e dívidas de 100. Os credores receberão até 50, rateados conforme a ordem processual. Não sobra nada a partilhar. Os herdeiros não ficam devendo 50 com bens próprios.
Exemplo 3: imóvel financiado com MIP
Carlos morreu durante o financiamento. O inventariante solicita a cobertura do MIP. Se a seguradora quitar o saldo, o imóvel entra “limpo” na partilha. Se a cobertura for parcial, o restante pode ser pago pelo espólio. Caixa Econômica Federal
Exemplo 4: condomínio em atraso
Julia deixou apartamento com 12 parcelas de condomínio atrasadas. O débito acompanha o imóvel. Ao receber o imóvel, os herdeiros precisam equalizar esse passivo no inventário, já que o adquirente responde por débitos condominiais do titular anterior. Planalto
Exemplo 5: pensão alimentícia
Pedro devia 6 parcelas de alimentos quando faleceu. Essas parcelas vencidas entram nas dívidas do falecido e podem ser cobradas do espólio. Não se cria obrigação nova para pagar alimentos futuros se a ação não foi proposta em vida. Superior Tribunal de Justiça
Como se proteger e evitar prejuízos desnecessários
- Abra o inventário no prazo legal para evitar multas e desorganização patrimonial. A Lei 11.441 prevê abertura em 60 dias contados do óbito e conclusão em 12 meses, prazos que podem ser flexibilizados pelo juiz. Planalto
- Mapeie todos os contratos do falecido. Procure por seguros acoplados a empréstimos e financiamentos, especialmente MIP em habitação. Caixa Econômica Federal
- Concentre cobranças no processo de inventário. Oriente credores a se habilitarem no juízo competente. TJDFT
- Evite pagamentos avulsos fora do inventário sem orientação técnica. Você pode gerar desequilíbrio entre credores.
- Avalie a renúncia à herança em situações de passivo elevado. A renúncia é ato formal e pode ser útil quando não há interesse patrimonial.
- Guarde toda a documentação: laudos, contratos, extratos, faturas, notificações e correspondências dos credores.
Leia também:
- Inventário Judicial ou Extrajudicial: Qual Escolher?
- 10 Documentos Essenciais para Iniciar um Inventário
- Herança de Imóvel Financiado: Como Resolver a Dívida
- Herança com Testamento: Como Funciona a Partilha e Quais os Limites Legais?
Link externo de autoridade
- Receita Federal: página oficial sobre Declaração de Espólio e orientações fiscais. Serviços e Informações do Brasil
Perguntas frequentes:
Se eu não receber nada de herança, posso ser cobrado?
Não. A responsabilidade é limitada às forças da herança. Sem bens a partilhar, não há cobrança sobre patrimônio próprio do herdeiro
O banco pode colocar meu nome no SPC por conta de dívida do meu pai falecido?
Cobranças devem ser direcionadas ao espólio durante o inventário e, depois, aos herdeiros até o limite do que herdaram. Marcação em cadastro de inadimplentes do herdeiro por dívida exclusiva do falecido não faz sentido jurídico
Dívida de condomínio e IPTU podem tirar o imóvel herdado?
Podem afetar o imóvel, sim. Débitos condominiais acompanham a unidade e tributos vinculados ao imóvel também têm regras específicas. É importante equalizar esses passivos no inventário.
O espólio tem que pagar alimentos?
Somente parcelas vencidas até o óbito integram o passivo. A obrigação de alimentos futura é, via de regra, personalíssima.
O seguro MIP sempre quita o financiamento do imóvel?
Depende da apólice. Em muitos contratos habitacionais, o MIP quita total ou parcialmente o saldo em caso de morte, mas é preciso verificar as condições e cobertura
Checklist final
- Identifique todos os bens, direitos e dívidas do falecido.
- Abra o inventário no prazo legal e regularize a representação do espólio. Planalto
- Oriente credores a se habilitarem no inventário. TJDFT
- Verifique seguros atrelados a contratos, como MIP em financiamento habitacional. Caixa Econômica Federal
- Trate de condomínio e IPTU ligados a imóveis. Planalto+1
- Ao final, se houver saldo, faça a partilha. Se não houver, ninguém “herda dívida”.
Conclusão
Quando o assunto é dívidas do falecido, a lei brasileira oferece um norte seguro. O espólio responde primeiro. Depois da partilha, cada herdeiro só pode ser cobrado até o limite do que recebeu. Entender essa arquitetura jurídica reduz a ansiedade e evita decisões precipitadas, como pagar contas fora do inventário ou com o próprio bolso sem necessidade. Com organização documental, uso correto do inventário e atenção a seguros e tributos, é possível atravessar o processo com segurança.
Referências selecionadas
- Código Civil: herdeiro não responde além das forças da herança e a herança paga as dívidas. Planalto
- CPC: espólio responde antes da partilha. TJDFT
- STJ: reforço da tese do espólio e limites após a partilha. Superior Tribunal de Justiça
- Condomínio: débitos acompanham a unidade. Planalto
- Tributos: responsabilidade do espólio até a abertura da sucessão. Planalto
- MIP em financiamento: possibilidade de quitação do saldo por morte. Caixa Econômica Federal
- Alimentos: parcelas vencidas integram o passivo, obrigação futura não se transfere automaticamente. Superior Tribunal de Justiça