A guarda dos filhos é sempre uma das decisões mais sensíveis em qualquer processo familiar. Quando um dos pais apresenta algum tipo de transtorno mental, essa análise se torna ainda mais delicada, exigindo atenção especial do Judiciário e dos profissionais envolvidos.
Nesse post:
Mas afinal, como a Justiça decide a guarda em casos de transtornos mentais dos pais? A presença de um diagnóstico psiquiátrico impede automaticamente o exercício da guarda? Ou o que realmente importa é a capacidade de cuidar e proteger a criança?
Neste artigo, vamos esclarecer essas dúvidas de forma acessível, sem juridiquês, e mostrar como a lei e a psicologia se unem para garantir o melhor interesse da criança, que é o centro de toda decisão sobre guarda.
1. Guarda em casos de transtornos mentais: o que a lei realmente diz
A legislação brasileira não define um modelo único de guarda para pais com transtornos mentais. O ponto central é sempre o melhor interesse da criança, conforme o artigo 227 da Constituição Federal e o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O Código Civil, no artigo 1.583, prevê que a guarda pode ser unilateral (quando apenas um dos pais é responsável direto) ou compartilhada (quando ambos participam das decisões e responsabilidades).
A simples existência de um diagnóstico, como depressão, transtorno bipolar, ansiedade grave, esquizofrenia ou outros quadros psiquiátricos, não é suficiente para afastar o direito à guarda. O que o juiz avalia é se o transtorno compromete a capacidade de exercer o cuidado diário e o afeto necessário à criança.
Em resumo: não é o diagnóstico que define a guarda, e sim a funcionalidade e a estrutura de apoio que o pai ou a mãe possui.
2. O que o juiz avalia nesses casos
Em processos de guarda com alegações de transtorno mental, o juiz busca entender o contexto real de convivência.
Alguns fatores são cuidadosamente analisados:
- Capacidade funcional do genitor: se ele consegue manter rotina, alimentação, higiene, estudos e proteção da criança.
- Rede de apoio familiar: presença de avós, tios ou companheiro(a) que auxilie nos cuidados diários.
- Estabilidade emocional: períodos de crises, necessidade de medicação, acompanhamento médico.
- Ambiente doméstico: segurança, estrutura e ausência de situações de risco.
- Vínculo afetivo com a criança: intensidade do laço emocional e histórico de convivência.
É comum o juiz determinar estudos psicossociais realizados por assistentes sociais e psicólogos do tribunal, além de perícias psiquiátricas quando há dúvidas sobre a capacidade parental.
Esses laudos costumam ter grande peso na decisão judicial, pois mostram de forma técnica se o transtorno realmente interfere na guarda.
3. Transtorno mental e perda automática da guarda: mito ou verdade?
Essa é uma das maiores confusões.
Muitas pessoas acreditam que o diagnóstico de transtorno mental implica automaticamente na perda da guarda. Isso não é verdade.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu em vários casos que a doença mental, por si só, não afasta o poder familiar. Só quando há risco comprovado à integridade física ou psicológica da criança é que o juiz pode restringir a convivência ou atribuir a guarda ao outro genitor.
Por exemplo: uma mãe com transtorno bipolar controlado, em tratamento regular e com acompanhamento médico, pode exercer a guarda normalmente, inclusive de forma compartilhada.
Por outro lado, quando há abandono, negligência ou surtos sem acompanhamento, o juiz pode optar por guarda unilateral ou até pela guarda provisória a outro responsável, para proteger a criança até a reabilitação do genitor.
4. A importância do tratamento e da rede de apoio
O tratamento é um ponto essencial para o juiz avaliar a estabilidade do quadro e a segurança da criança.
Quando o pai ou a mãe demonstra que está em tratamento médico contínuo, com acompanhamento psiquiátrico e psicológico, e possui uma rede familiar de apoio, isso transmite confiança à Justiça.
Além disso, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição) garante que ninguém pode ser discriminado em razão de sua condição de saúde. Portanto, o transtorno mental não deve ser usado como estigma ou punição, mas como fator a ser compreendido dentro do contexto familiar.
5. Casos em que a guarda pode ser modificada
A guarda pode ser revisada a qualquer momento, caso haja mudança significativa na situação dos pais.
Veja alguns exemplos práticos:
- Se um genitor que tinha a guarda unilateral passa a apresentar crises graves sem tratamento, a guarda pode ser transferida temporariamente ao outro.
- Se o pai ou a mãe melhora o quadro clínico e comprova estabilidade emocional, pode pedir a revisão da guarda para retomá-la.
- Em casos extremos, o juiz pode determinar a suspensão temporária do poder familiar, mas sempre com base em laudos técnicos e evidências.
Para entender melhor esse processo, você pode ler o artigo [Revisão de Guarda: Quando é Possível e Quais Provas São Importantes?].
6. Como o transtorno mental impacta a convivência familiar
Mesmo quando o genitor não tem a guarda, ele mantém o direito de convivência com o filho, salvo quando há risco comprovado.
Nessas situações, o juiz pode fixar visitas assistidas, em ambiente supervisionado por psicólogos ou assistentes sociais, garantindo a segurança e o vínculo afetivo da criança.
Essas medidas são temporárias e podem ser revistas conforme a evolução do quadro clínico do genitor.
Esse tipo de acompanhamento tem sido aplicado em decisões que envolvem dependência química, depressão severa ou transtornos de personalidade, sempre com base em pareceres técnicos.
7. Quando o transtorno mental é usado como estratégia em disputas de guarda
Infelizmente, há casos em que um dos genitores tenta utilizar um diagnóstico ou suspeita de transtorno mental para desqualificar o outro e obter vantagem na disputa judicial.
O Judiciário tem se mostrado atento a essa prática. Sem comprovação técnica, alegações infundadas podem ser entendidas como tentativa de alienação parental, principalmente quando se percebe que o objetivo é afastar o filho do outro genitor.
Por isso, é comum o juiz determinar avaliações psicológicas completas de ambos os pais e da criança, para compreender a dinâmica familiar e evitar injustiças.
8. O papel do psicólogo e do assistente social
Nos processos que envolvem transtornos mentais, o trabalho dos profissionais de psicologia e serviço social é essencial.
Eles realizam visitas domiciliares, entrevistas, observações e relatórios que ajudam o juiz a compreender o contexto familiar.
Esses profissionais não julgam, mas apresentam um retrato técnico e humano da situação, permitindo decisões mais equilibradas.
Muitas vezes, o parecer desses profissionais é o que evita decisões precipitadas baseadas em preconceito ou desinformação.
9. Guarda compartilhada é possível nesses casos?
Sim, desde que o genitor com transtorno mental tenha condições de participar das decisões da vida do filho e demonstre estabilidade.
A guarda compartilhada é, na verdade, a regra no Brasil, conforme o artigo 1.584, §2º, do Código Civil, e só é afastada quando se prova que ela é inviável ou prejudicial à criança.
Em muitos casos, mesmo quando o genitor não está apto a exercer cuidados diários, o juiz mantém o direito de participação em decisões importantes, como escola, saúde e convivência familiar, fortalecendo os vínculos e o equilíbrio emocional do filho.
Você pode saber mais sobre esse tema no artigo [Guarda Compartilhada: Como Funciona e Quais São os Direitos dos Pais].
10. A visão da Justiça: proteger a criança e incluir o genitor
A Justiça moderna busca equilibrar dois valores fundamentais:
- a proteção integral da criança, e
- a inclusão do genitor em sofrimento mental.
A exclusão total deve ser a última medida, adotada apenas quando há risco concreto.
Em muitos casos, a Justiça adota soluções intermediárias, como planos de convivência adaptados, acompanhamento psicossocial periódico e intervenções terapêuticas familiares.
Essas medidas têm como objetivo preservar o vínculo afetivo e oferecer à criança um ambiente emocionalmente saudável, sem desamparar o genitor em tratamento.
Conclusão: equilíbrio, empatia e proteção
Casos de guarda envolvendo transtornos mentais exigem sensibilidade, empatia e técnica.
A Justiça deve avaliar não apenas o diagnóstico, mas o ser humano por trás dele, suas condições reais, sua história e o amor que demonstra pelo filho.
O mais importante é garantir que a criança cresça em um ambiente seguro, com presença afetiva e estrutura emocional equilibrada.
Cada caso é único, e o apoio jurídico especializado faz toda diferença para proteger direitos e construir soluções justas.
Checklist – Principais pontos do artigo
- O diagnóstico de transtorno mental não impede automaticamente o exercício da guarda.
- O juiz avalia a capacidade funcional, rede de apoio e estabilidade emocional.
- Tratamento contínuo e acompanhamento médico fortalecem o direito à guarda.
- A guarda pode ser revisada conforme a evolução do quadro clínico.
- Alegações infundadas podem configurar alienação parental.
- O foco sempre será o melhor interesse da criança.
Perguntas frequentes sobre guarda e transtornos mentais:
O juiz pode tirar a guarda por causa de depressão?
Somente se a depressão impedir o genitor de cuidar da criança de forma segura e adequada. Em casos leves e tratados, isso não acontece.
Se o pai ou mãe estiver em tratamento, pode manter a guarda?
Sim. O tratamento demonstra responsabilidade e autocuidado, fatores positivos na análise judicial.
A criança pode ser ouvida nesses casos?
Sim. Em geral, crianças a partir de 12 anos podem ser ouvidas, e sua opinião é considerada pelo juiz.
E se o outro genitor inventar que há um transtorno mental?
Nesse caso, o juiz pode determinar perícia e, se ficar comprovado que a alegação era falsa, pode caracterizar alienação parental.
A guarda pode voltar ao genitor após melhora?
Sim. A guarda é sempre revisável, e a recuperação clínica pode permitir o retorno.
Quer entender mais sobre como a Justiça decide casos delicados de guarda e convivência familiar? Leia também o artigo Guarda dos Filhos em Casos de Violência Doméstica: O Que Diz a Lei e Como Proteger as Crianças disponível aqui no blog.