Você já imaginou que a falta de carinho, atenção e presença dos pais poderia gerar responsabilidade civil?
Pois é exatamente isso que a Lei nº 15.240/2025 acaba de estabelecer. Publicada no Diário Oficial da União em 29 de outubro de 2025, essa norma altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e reconhece o abandono afetivo como um ato ilícito civil, passível de indenização por danos morais ou materiais.
Essa mudança representa um marco no Direito de Família brasileiro. Até então, a punição por abandono afetivo dependia da interpretação dos tribunais. Agora, está expressa em lei federal: os pais têm o dever jurídico de garantir não apenas o sustento e a educação, mas também a assistência afetiva, isto é, o cuidado emocional e a convivência familiar.
Neste artigo, você vai entender o que muda com a nova lei, quais são os deveres dos pais, como a Justiça deve aplicar a regra, e quais os riscos e desafios dessa nova realidade.
O que diz a nova Lei nº 15.240/2025
A nova lei modifica diversos dispositivos do ECA (Lei 8.069/1990) para incluir o conceito de assistência afetiva entre os deveres legais dos pais e responsáveis.
Principais alterações
- Art. 4º, §§ 2º e 3º: define a assistência afetiva como convívio ou visitação regular que permita acompanhar a formação psicológica, moral e social da criança ou adolescente.
- Art. 5º, parágrafo único: considera conduta ilícita a ação ou omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente, incluindo os casos de abandono afetivo.
- Art. 22: amplia o dever dos pais para incluir sustento, guarda, convivência, assistência material e afetiva e educação.
Com essas alterações, o abandono afetivo ilícito civil deixa de ser apenas um conceito moral ou doutrinário e passa a ter força legal expressa.
O que é “assistência afetiva”?
A lei detalha esse dever em três dimensões:
- Orientação: os pais devem participar das principais escolhas do filho, oferecendo apoio em decisões educacionais, profissionais e culturais.
- Solidariedade e apoio: precisam estar presentes em momentos de sofrimento ou dificuldade, oferecendo acolhimento emocional.
- Presença física: devem comparecer quando a criança ou adolescente solicitar, sempre que possível.
Em outras palavras, o dever de afeto não exige amor forçado, mas sim presença responsável e cuidado contínuo.
O que é considerado abandono afetivo ilícito civil
O abandono afetivo ocorre quando os pais, mesmo tendo condições de conviver, se omitem no dever de cuidado emocional e convivência.
Com a nova lei, essa omissão passa a ser juridicamente relevante.
Exemplos práticos ajudam a entender:
- Pai que nunca visita o filho, mesmo tendo guarda compartilhada.
- Mãe que interrompe totalmente o contato e não acompanha o desenvolvimento escolar.
- Responsável que se recusa a orientar ou apoiar o adolescente em momentos de crise emocional.
Em qualquer dessas situações, se comprovado o dano, como sofrimento psicológico, depressão ou sentimento de rejeição, pode haver ação de reparação civil.
Por que essa mudança é tão importante
O ECA sempre tratou da proteção integral da criança e do adolescente, mas faltava reconhecer que o abandono emocional também é uma forma de violência.
A Lei nº 15.240/2025 fecha essa lacuna e reforça o princípio de que afeto é um direito fundamental.
Como afirmou o juiz Adhailton Lacet, da 1ª Vara da Infância e Juventude de João Pessoa, “essa alteração veio em boa hora e representa um avanço na consolidação do princípio da proteção integral”.
A partir de agora, o descaso afetivo deixa de ser visto como simples “falta de amor” e passa a ser violação de dever legal.
Como funcionará na prática
1. Responsabilidade civil direta
Pais ou responsáveis que descumprirem o dever de assistência afetiva poderão ser condenados a indenizar os filhos pelos danos causados.
A indenização poderá abranger:
- danos morais (tristeza, traumas, angústia);
- danos psicológicos com comprovação clínica;
- despesas médicas ou terapêuticas, quando cabível.
2. Outras consequências possíveis
Além da reparação financeira, o juiz poderá:
- modificar a guarda ou o regime de convivência;
- determinar medidas protetivas, inclusive afastamento do lar em casos graves;
- fixar obrigações de convivência supervisionada, quando houver risco emocional.
A diferença entre abandono afetivo e alienação parental
É fundamental distinguir os dois conceitos:
- Abandono afetivo: o pai ou a mãe se omite voluntariamente no contato e no cuidado.
- Alienação parental: o outro genitor impede ou dificulta essa convivência.
Nos casos em que há alienação parental, o genitor acusado pode comprovar que tentou exercer o convívio, mas foi impedido por interferências.
Isso será essencial para afastar a responsabilidade civil.
Para saber mais sobre esse tema, veja nosso artigo:
➡️ Guarda dos Filhos e Alienação Parental: Quando a Justiça Pode Intervir
Como provar o abandono afetivo
Nem todo afastamento é ilícito. A prova do abandono afetivo ilícito civil exige demonstração concreta de omissão injustificada e dano comprovado.
As principais provas incluem:
- registros escolares e relatórios psicológicos;
- depoimentos de familiares, professores ou vizinhos;
- trocas de mensagens que evidenciem desinteresse;
- laudos de psicólogos ou assistentes sociais;
- histórico de ausência em eventos importantes (escola, aniversários, doenças).
A prova técnica psicológica será cada vez mais valorizada, pois ajuda o juiz a entender o impacto emocional no desenvolvimento da criança.
O que essa lei representa para os pais
Essa lei não obriga a amar, mas obriga a cuidar.
Ela reforça que ser pai ou mãe não é apenas garantir dinheiro, mas presença, escuta e orientação.
Isso não significa que os pais serão punidos por eventuais falhas humanas, mas sim quando houver negligência consciente e persistente.
O foco é responsabilizar quem abandona emocionalmente o filho, não quem enfrenta dificuldades reais de convivência.
O que muda para os advogados e o Judiciário
Para a advocacia, essa é uma nova frente de atuação no Direito de Família:
- Ações de indenização por abandono afetivo passam a ter fundamento legal no ECA;
- Pedidos cumulados (guarda, alimentos e reparação moral) tornam-se mais viáveis;
- Defesas técnicas devem demonstrar impedimentos legítimos (como alienação parental ou ordens judiciais restritivas).
O Judiciário, por sua vez, precisará equilibrar a aplicação da lei com o princípio da razoabilidade, evitando transformar o afeto em moeda indenizatória.
O que não muda com a nova lei
- A lei não cria crime de abandono afetivo, trata apenas da esfera civil.
- Não há indenização automática: será necessário provar o dano e o nexo causal.
- O dever afetivo não substitui o dever material: ambos coexistem.
Desafios e riscos na aplicação
Toda inovação jurídica traz dilemas práticos.
Alguns riscos são evidentes:
- Judicialização das emoções: o perigo de transformar conflitos familiares em disputas financeiras.
- Subjetividade da prova: como mensurar “afeto suficiente”?
- Manipulação em litígios de guarda: genitores podem usar a lei como ferramenta de retaliação.
Esses desafios exigirão maturidade judicial e atuar técnica responsável dos advogados para que a norma não perca sua função protetiva.
Por que essa lei é considerada um avanço
O abandono afetivo ilícito civil traduz o que a Constituição já dizia implicitamente:
a criança e o adolescente têm direito à convivência familiar saudável e ao desenvolvimento integral (art. 227 da Constituição Federal).
Ao incluir a assistência afetiva no ECA, o legislador reconhece que a ausência emocional também fere a dignidade humana.
É o Estado dizendo, em termos simples: amor é dever quando há responsabilidade parental.
Resumo rápido
- Lei nº 15.240/2025 altera o ECA e reconhece o abandono afetivo como ato ilícito civil.
- Pais têm dever legal de assistência afetiva (presença, orientação e apoio emocional).
- O abandono afetivo pode gerar indenização por danos morais.
- A lei não retroage e não cria crime penal.
- Provas psicológicas e sociais serão essenciais.
- Desafio: aplicar a lei com equilíbrio, sem transformar o afeto em moeda judicial.
Perguntas frequentes (FAQ)
A nova lei obriga os pais a amar os filhos?
Não. O amor não é exigível por lei, mas o dever de cuidado e presença agora é.
O abandono afetivo gera prisão?
Não. O abandono afetivo é ato ilícito civil, não crime. Gera indenização, não pena de prisão.
O que a vítima precisa provar?
Deve provar que houve omissão injustificada, dano emocional e relação direta entre os dois.
A lei vale para filhos adultos?
O ECA protege crianças e adolescentes, mas o Código Civil pode ser usado por analogia em casos de abandono de filhos maiores, conforme jurisprudência.
Quanto pode ser a indenização?
Depende do caso concreto: intensidade do dano, tempo de abandono e condições econômicas das partes.
Conclusão
A Lei 15.240/2025 inaugura uma nova era no Direito de Família brasileiro.
Agora, o cuidado emocional e a presença parental não são apenas valores morais, mas obrigações legais.
Esse avanço reforça que educar, sustentar e amar são dimensões inseparáveis da parentalidade.
E que a omissão, quando causa dor e prejuízo emocional, gera consequências jurídicas concretas.
Mas o desafio permanece: aplicar a lei com sensibilidade, evitando que o Judiciário se torne árbitro de sentimentos.
Mais do que punir, o objetivo deve ser promover vínculos saudáveis e responsáveis.
Leia também:
➡️ Guarda compartilhada: como funciona e quais são os direitos dos pais
Link externo de referência:
Agência Senado – Lei 15.240/2025 reconhece o abandono afetivo como ilícito civil





