O Regime de Participação Final nos Aquestos é, talvez, o menos conhecido entre os regimes de bens previstos no Código Civil. Apesar de estar em vigor desde 2002, ainda gera dúvidas tanto entre casais quanto entre profissionais do Direito. Afinal, ele ainda vale a pena nos dias de hoje?
Nesse post:
Esse regime promete equilibrar autonomia patrimonial durante o casamento e partilha justa no divórcio. Mas será que, na prática, essa promessa se cumpre? É isso que vamos entender ao longo deste artigo.
O que é o Regime de Participação Final nos Aquestos?
O Regime de Participação Final nos Aquestos combina elementos de dois regimes conhecidos:
- Separação total de bens durante o casamento.
- Comunhão parcial de bens no momento da dissolução (divórcio ou falecimento).
Em outras palavras, cada cônjuge administra seus bens livremente enquanto casados, mas, no fim da relação, há partilha do que foi adquirido de forma onerosa durante o casamento.
A ideia é garantir independência financeira durante o matrimônio e justiça patrimonial no momento da separação.
Como esse regime funciona na prática?
Durante o casamento:
- Cada cônjuge tem plena liberdade para administrar seus bens.
- O patrimônio de um não interfere no do outro.
- Dívidas e obrigações assumidas individualmente não se comunicam.
Na dissolução:
- Cada um mantém seus bens particulares.
- O que foi adquirido durante o casamento, de forma onerosa, é dividido entre ambos, meio a meio.
Ou seja, os “aquestos” são os bens adquiridos onerosamente durante o casamento — e é sobre eles que incide a partilha.
Exemplo prático
Imagine que João e Ana se casaram sob o regime de participação final nos aquestos.
Durante o casamento:
- João comprou um carro no valor de 80 mil.
- Ana adquiriu um imóvel financiado no valor de 300 mil.
- Cada um fez seus investimentos e manteve contas separadas.
No momento do divórcio:
- João e Ana listam tudo o que foi adquirido de forma onerosa durante o casamento.
- O valor total é somado e dividido igualmente.
- O saldo final de cada um é apurado: quem ficou com mais patrimônio adquirido onerosamente paga uma compensação ao outro.
Resultado: Mesmo sem comunhão durante o casamento, há equilíbrio na dissolução, evitando enriquecimento injusto.
O que são “aquestos”?
A palavra “aquestos” vem do latim acquirere, que significa “aquisição”.
No Direito de Família, designa os bens adquiridos de forma onerosa durante o casamento — isto é, por compra, trabalho ou investimento.
Não entram na conta dos aquestos:
- Heranças.
- Doações feitas a apenas um dos cônjuges.
- Bens adquiridos antes do casamento.
- Bens com cláusula de incomunicabilidade.
Base legal do Regime de Participação Final nos Aquestos
O regime está previsto nos artigos 1.672 a 1.686 do Código Civil.
O artigo 1.672 estabelece que “no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio e, ao se dissolver a sociedade conjugal, tem direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento”.
Já o artigo 1.674 reforça que “a administração dos bens próprios compete a cada cônjuge, que pode livremente aliená-los”.
Esses dispositivos buscam equilibrar autonomia e justiça: liberdade patrimonial durante a união e partilha justa ao final.
Participação Final nos Aquestos x Outros Regimes de Bens
Para entender se ainda vale a pena, é importante comparar com outros regimes.
1. Comunhão Parcial de Bens
- Comunicam-se os bens adquiridos onerosamente durante o casamento.
- Administração conjunta e menor liberdade patrimonial.
- Mais simples e tradicional, é o regime legal padrão no Brasil.
2. Separação Total de Bens
- Nenhum bem se comunica, nem os adquiridos durante o casamento.
- Total independência financeira.
- Pode gerar sensação de “desigualdade patrimonial” ao término.
3. Comunhão Universal de Bens
- Todos os bens, adquiridos antes e durante o casamento, se comunicam.
- Garante partilha ampla, mas reduz a autonomia individual.
4. Participação Final nos Aquestos
- Combina liberdade patrimonial com divisão justa ao final.
- Evita enriquecimento indevido, mas exige controle e provas do que foi adquirido.
Vantagens do Regime de Participação Final nos Aquestos
- Autonomia financeira durante o casamento
Cada cônjuge administra seu patrimônio sem precisar de autorização do outro. - Partilha equilibrada no fim da relação
No divórcio, o que foi construído em conjunto é dividido, garantindo justiça. - Proteção contra dívidas do outro cônjuge
Dívidas pessoais não se comunicam, a não ser que beneficiem o casal. - Flexibilidade em famílias com dupla renda
Ideal para casais em que ambos têm rendimentos próprios e desejam independência. - Evita abusos patrimoniais
Impede que um cônjuge fique desamparado após anos de contribuição indireta (como cuidado com a casa ou filhos).
Desvantagens e desafios
- Complexidade na apuração dos bens
É necessário comprovar o que foi adquirido e quanto cada um contribuiu. - Dificuldade em comprovar o valor dos aquestos
Exige registros, notas fiscais e transparência financeira. - Pouco conhecimento do regime
Muitos cartórios e casais não entendem bem seu funcionamento, o que gera insegurança. - Risco de litígios longos
A apuração detalhada dos aquestos pode tornar o divórcio mais demorado.
Quando esse regime ainda vale a pena?
O Regime de Participação Final nos Aquestos pode ser uma excelente opção para:
- Casais que valorizam independência financeira, mas desejam justiça no fim da relação.
- Empreendedores, que precisam proteger o patrimônio empresarial durante o casamento.
- Uniões de segunda ou terceira relação, nas quais há filhos de casamentos anteriores e necessidade de preservar heranças.
- Casais que planejam um casamento equilibrado, com transparência sobre bens e investimentos.
Em resumo, vale a pena quando há maturidade, diálogo e organização financeira.
Quando não é recomendado
- Quando o casal não tem controle financeiro ou não documenta as aquisições.
- Em uniões com grande disparidade de renda, sem contribuição equilibrada.
- Se há risco de litígio ou falta de confiança entre as partes.
Nesse caso, regimes mais simples, como comunhão parcial ou separação total, podem evitar conflitos.
O papel do pacto antenupcial
Para adotar o Regime de Participação Final nos Aquestos, é obrigatória a celebração de pacto antenupcial.
Sem ele, o casamento será automaticamente regido pela comunhão parcial de bens.
O pacto deve ser feito em cartório, por escritura pública, e pode conter regras específicas sobre:
- Administração dos bens.
- Critérios de avaliação dos aquestos.
- Definições sobre dívidas e contribuições.
Leia também: Pacto Antenupcial: O Que É e Por Que Fazer?
Como é feita a partilha no divórcio
- Identificação dos bens adquiridos onerosamente durante o casamento.
- Avaliação do valor de cada bem (imóveis, veículos, investimentos, etc.).
- Cálculo da diferença patrimonial entre os cônjuges.
- Compensação financeira para equilibrar o patrimônio.
Exemplo:
Se um cônjuge acumulou 600 mil em bens adquiridos e o outro 200 mil, a diferença é de 400 mil.
Metade dessa diferença (200 mil) deve ser compensada, garantindo igualdade.
Documentos essenciais para comprovação dos aquestos
- Comprovantes de compra e venda.
- Registros de imóveis e veículos.
- Extratos bancários e de investimentos.
- Notas fiscais e recibos de pagamento.
- Declarações de imposto de renda.
Esses documentos são fundamentais para evitar conflitos e tornar a partilha justa.
Participação Final nos Aquestos e Herança
No caso de falecimento, o cônjuge sobrevivente tem direito à meação sobre os aquestos, além da herança, se for herdeiro necessário.
Ou seja, ele participa tanto como meeiro (sobre bens adquiridos onerosamente) quanto como herdeiro (nos bens particulares).
Isso garante proteção patrimonial ao cônjuge sobrevivente, sem retirar direitos dos demais herdeiros.
Saiba mais em: Herança e Direito de Família: Quem Tem Direito e Como Funciona a Partilha
Comparativo resumido dos regimes de bens
Regime | Comunicação de bens | Autonomia financeira | Partilha no divórcio |
---|---|---|---|
Comunhão Parcial | Bens adquiridos onerosamente | Parcial | Igualitária |
Comunhão Universal | Todos os bens | Baixa | Total |
Separação Total | Nenhum bem se comunica | Total | Nenhuma |
Participação Final nos Aquestos | Apenas aquestos | Total durante o casamento | Igualitária ao final |
Conclusão: ainda vale a pena?
O Regime de Participação Final nos Aquestos ainda vale a pena, sim — mas não para todos os casais.
Ele exige organização, transparência e confiança.
Para quem busca autonomia e justiça, pode ser o regime ideal.
Por outro lado, casais sem controle financeiro ou com baixa comunicação podem enfrentar grandes desafios na hora da partilha.
Por isso, a escolha do regime de bens deve ser feita com orientação jurídica especializada, considerando o perfil e os objetivos do casal.
Resumo rápido (Checklist)
- Cada cônjuge administra seus bens de forma independente.
- Há divisão apenas dos bens adquiridos onerosamente durante o casamento.
- Exige pacto antenupcial.
- Ideal para casais com dupla renda e maturidade financeira.
- Pode gerar litígios se não houver controle de bens e documentação clara.
Perguntas Frequentes
Posso mudar para o Regime de Participação Final nos Aquestos depois de casado?
Sim. É possível mudar o regime de bens com autorização judicial, conforme o artigo 1.639, §2º do Código Civil.
É necessário pacto antenupcial?
Sim. Sem o pacto, o casamento será regido pela comunhão parcial.
Dívidas entram na partilha?
Somente as que beneficiaram o casal.
O cônjuge tem direito à herança nesse regime?
Sim, participa tanto como meeiro (sobre aquestos) quanto como herdeiro.
É comum esse regime ser escolhido no Brasil?
Não. Apesar das vantagens, ele é pouco utilizado por falta de compreensão e pela burocracia do cálculo final.
Quer entender melhor qual regime de bens combina com sua realidade?
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